UM SAMBA..., UM BAR..., UM OLHAR...,
Participo normalmente, a cada
15 dias, de um encontro de sambistas chamado de 'Sindicatis Du Samba', num
ponto que poderia ser qualquer outro, mas, tinha que ser num bar chamado...,
Santo Mé. Se o nome 'Sindicatis' já faz alusão ao grande Mussum, sambista consagrado
no antigo 'Originais Do Samba', outro não poderia ser, o nome do lugar.
E lá fui eu. Quando lá cheguei,
muita gente lá estava. Lá estava o bom samba. Lá, tudo fica muito longe dos
pagodinhos modernos; de batidas repetidas; de três ou quatro meninos que se
dizem sambistas, mas, fazem uma música pequenina; com versos não tão ricos e rimas
muito pobres. Grupos arrumadinhos; cantores pequenininhos, fingido que
interpretam e principalmente sem as..., mãozinhas pra cima; sem tirar do chão os
pezinhos; com movimentinhos ensaiadinhos e graças a Deus, lá com tudo muito
longe de todos esses 'inhos'.
Nosso samba é da antiga; a batida
do surdo é ritmada; o pandeiro moleque; cavaco atrevido, o violão de sete
cordas com baixaria impecável. A cuíca centrada. O reco-reco aparece sem
incomodar; o chocalho discreto, agogô equilibrado, um tantã aqui, timbal ali, e
cantores com vozes potentes; poesia de métrica perfeita e rima rica, em linha
melódica que cada dia está mais difícil de se encontrar.
E que não pense quem ler este
texto, que são pessoas com mais de cinquenta anos, ou gente da antiga. Os
músicos são jovens, cantores idem. Um ou outro participante está na casa dos
quarenta. O mais velho do grupo, sou eu.
É interessante notar que dos
participantes, muitos são compositores e têm samba autoral apresentado ali, ao
vivo, sem nenhuma complicação. Tem poetas partideiros que são novos na idade,
mas, versejam poesias que nada devem aos antigos mestres.
Sábado em particular, além de
matar a saudade de alguns que não via fazia bom tempo eu estava recôndito,
quase quieto, apreciando tudo à volta. Foi nesse apreciar, que num repente, me
vi..., sendo apreciado.
Sempre uma turma nova, a cada
sábado, comparece para assistir. É como se o boca-a-boca, funcionasse na
divulgação do trabalho, do lugar, do que ali acontece. Gente jovem, saudável, bonita,
moças e rapazes, dão um hausto de vida todo especial, até porque, gente culta
fica ainda mais bonita.
Uma moça..., moça mesmo; jovem
e bonita; junto de duas outras, a certa distância, pelo espaço entre uma das
colunas do balcão frigorifico e as costas duma pessoa, me olhava com certa
duração. O que se passava na cabeça dela..., não sei. Meu furtivo olhar
deslocou o dela.
Houve um tempo em que fui
perceptivo, para não dizer..., malandro. É..., já ficou para trás o Rio de
Janeiro; a Tijuca; Saens Penna; o Salgueiro, Palheta e outras lembranças. Mais
tarde..., Beco das garrafas; Night And Day; Rua Prado Junior em Copacabana, Barril
1800, Rua Montenegro, (atualmente Rua Vinicius de Moraes), tudo isso, lugares
que me tiveram por algum tempo. Vida noturna carioca, Ipanema, Leblom..., hoje...,
é saudade.
Naquela época eu me tocava bem
cedo, ou então..., assumindo..., eu caçava com mais propriedade, era mais safo,
mais rápido, e menos gente.
Voltei a procurar aquele
olhar..., e lá estava ele, ou melhor, lá estava ela, me olhando novamente. Como
isso faz bem pro ego..., como me senti vivo..., uma sensação nova e antiga ao
mesmo tempo. Nova..., pois, de há muito, eu não fazia parte de uma situação
como essa. Antiga..., porque, como isso já fez parte da minha vida, tal cena
estará gravada, junto com outros sentimentos, a partir de agora, indelevelmente,
num escaninho da minha memória.
Assim, conheço..., sei como é...,
e justamente por esse motivo, me furtei a tentar qualquer aproximação. Lembro...,
do meu 'antigamente'..., de quando uma mulher mais velha, se me visse para ela
olhando, (tinham muitas interessantes), tentasse se chegar, eu dava um jeito de
me mandar, sair do lugar e baixar em outras paragens. Faltava-me a experiência
necessária para encarar um relacionamento dessa altura.
Contudo os tempos mudaram. As
mulheres que sempre foram mais maduras evoluíram e agora, dão de '10 x 0' nos
homens. Imagina se aquela moça que me olhava, tivesse cabeça, coragem para
encarar o coroa, e..., me desse alguma abertura?
Confesso..., amarelei. Pela
primeira vez na vida, amarelei. Tinha que haver a primeira vez. Não sei se é
porque ela é 'muito'; se eu é que estou me sentindo 'pouco'; se a idade pesou;
se minha consciência de homem casado..., gritou.
Enfim, assim ficou. Ali ficou. Lá
ficou.
A situação se transformou em
sonho, em devaneio, em realidade irreal. Mais um, dois, três olhares, foram
trocados. Levantei-me, despedi-me de todos e sai.
Nos meus ouvidos a letra do
samba que era cantado naquela hora:
Tudo que quiseres te darei ó
flor...,
Menos meu amor.
Darei carinho se tiveres a
necessidade,
E peço a Deus para lhe dar muita felicidade,
Infelizmente só não posso ter-te para mim,
Coisas da vida...., é mesmo assim.
Infelizmente só não posso ter-te para mim,
Coisas da vida...., é mesmo assim.
Na minha cabeça a imagem dela.
Na minha lembrança, um samba, um bar, um olhar.
5 COMENTÁRIOS:
O texto é lindo! Lindo porque você conta a vida, e a vida sabe se contar.
Quando você escreve assim, natural e espontaneamente, você entra no leitor.
A gente até fica torcendo para vocês se encontrarem novamente, ao som da música que você canta no final.
Depois você conta? Prometo que não conto pra...
Texto gostoso, que todo mundo já viveu e te entendeu.
Concordo com Joana. Texto lindissimo.
Estava com saudades.
Maravilhoso irmão. Viajei...é bem assim a idade vai nos fazendo adivinhar os outros passos e despassos...e as vezes a UTOPIA do que seria é melhor do que o real.!!!Parabéns.
Bonito texto.
Bonito texto.
Como dizem por aqui: amarele não.
Se for pelo casamento ok. Mas pela diferença de idade? pfff! nem pense, que mulher pensa diferente.
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